Maquinações
Experimentações teóricas, fichamentos e outros comentários descartáveis

MEOT: Apresentação (1958)

Gears por Marvin Hooley
Rafael Gonçalves
22/05/2021
MEOTGilbert Simondonculturaobjetos técnicosfichamento

Fichamento da apresentação de 1958 presente na edição brasileira de MEOT1.

Objetivo do livro: introduzir na cultura um conhecimento sobre os objetos técnicos (OT)

O livro intitulado Do modo de existência dos objetos técnicos almeja introduzir na cultura u conhecimento adequado dos objetos técnicos, considerados em três níveis: elementos, indivíduos e conjuntos. (p. 39)

Relação mitológica (alienação) x relação verdadeira (conscientização)

Em nossa civilização, há um hiato entre as atitudes suscitadas no homem pelo objeto técnico e a verdadeira natureza desses objetos. (p. 39)

Dessa relação inadequada e confusa resulta, no comprador, no construtor e no operador, um onjunto de valorizações e desvalorizações mitológicas. (p. 39)

Para substituir essa relação inadequada por uma relação verdadeira, é preciso haver uma conscientização do modo de existência dos objetos técnicos. (p. 39)

3 etapas da conscientização

A primeira busca apreender a gênese dos objetos técnicos: [eles não devem ser vistos como seres artificiais]. O sentido de sua evolução é uma concretiação. Um objeto técnico primitivo é um sistema abstrato de funcionamentos parciais isolados, sem uma base comum de existência, sem reciprocidade causal, sem ressonância interna. Um objeto técnico aperfeiçoado é um objeto individualizado, no qual cada estrutura é plurifuncional, sobredeterminada; cada estrutura existe nele não apenas como órgão, mas como corpo, como meio, como base para as outras estruturas. (p. 39)

Progresso como relaxação e não continuidade

O verdadeiro progresso dos objetos técnicos se efetua por um esquema de relaxação, não de continuidade: há uma conservação da tecnicidade como informação através dos sucessivos ciclos evolutivos. (p. 40)

A segunda etapa considera a relação entre o homem e o objeto técnico, no nível do indivíduo, de um lado, e no dos conjuntos, de outro. O modo de acesso do indivíduo ao objeto técnico é menor ou maior. O modo menor é aquele que convém ao conhecimento da ferramenta e do instrumento; é primitivo, porém adequado a esse nível de existência da tecnicidade na forma de ferramentas ou instrumentos; faz do homem um portador de ferramentas, de acordo com uma aprendizagem concreta, uma espécie de simbiose instintiva do homem com o objeto técnico usado em determinado meio, segundo a intuição e o conhecimento implícito, quase inato. O modo maior supõe uma conscientização dos esquemas de funcionamento: é politécnico. A Encyclopédie de Diderot e d'Alembert ilustra a passagem do modo menor para o modo maior. (p. 40)

No nível dos conjunto, a consciência que o grupo adquire de sua relação com os objetos técnicos traduz-se pelas diversas modalidades da ideia de progresso, que são os juízos de valor formulados pelo grupo sobre o poder[?] que esses objetos possuem de fazer o grupo evoluir: o progresso otimista do século XVIII corresponde a uma conscientização da melhora dos elementos; o progresso pessimista e dramático do século XIX corresponde à substituição do indivíduo humano portador de ferramentas pelo indivíduo-máquina [41] bem como à inquietalçao que resulta dessa frustralção. Por último, resta elaborar uma nova ideia de progresso que corresponda à descoberta da tecnicidade no nível dos conjuntos de nossa época, graças a um aprofundamento da teoria da informação e da comunicação: a verdadeira natureza do homem não é ser portador de ferramentas - e, portanto, concorrente da máquina -, mas inventor de objetos técnicos capazes de resolver problemas de compatibilidade entre as máquinas num conjunto. (p. 40-41)

Compatibilidade, margem de indeterminação e máquina aberta.

Mais do que governá-las, ele as compatibiliza, é agente e tradutor de informações de máquina para máquina, intervindo na margem de indeterminação contida no funcionamento da máquina aberta, capaz de receber informação. O homem constrói a significação das trocas de informação entre máquinas. (p. 41)

Não existe máquina de todas as máquinas (automatismo puro).

O automatismo puro, que exclui o homem e imita o ser vivo, é um mito não correspondente ao mais alto nível possível de tecnicidade: não existe a máquina de todas as máquinas. (p. 41)

Rompimento do mundo mágico primitivo: tecnicidade, religiosidade e estética.

Por fim, a terceira fase da conscientização substitui o objeto técnico no conjunto do real , procurando conhecê-lo em sua essência, segundo uma gênese da tecnicidade. A hipótese básica da doutrina filosófica usada consiste em supor a existência de um modo primitivo de relação do homem com o mundo, que é o modo mágico: de uma ruptura interna dessa relação saem duas fases simultâneas e opostas - a fase técnica e a fase religiosa; a tecnicidade é a mobilização das funções figurais, o levantamento dos pontos-chave da relação do homem com o mundo; a religiosidade refere-se, ao contrário, ao respeito pelas funções de fundo: é o apego à totalidade em seu fundo. Essa relação defasada [42] do homem com o mundo recebe uma mediação imperfeita da atividade estética : o pensamento estético conserva uma nostalgia da relação primitiva do homem com o mundo, é o neutro entre fases opostas. (p. 41-2)

Caráter parcial da neutralidade (capacidade de mediação) do objeto estético, por conta de sua concretude-funcionalidade.

Mas seu caráter concreto de construtor de objetos limita seu poder de mediação, pois o objeto estético perde sua neutralidade e, por conseguinte, seu poder de mediação, ao procurar tornar-se funcional ou sagrado. (p. 42)

Pensamento filosófico como neutro (primitivo e elaborado).

Somente no nível do pensamento que é, a um tempo, o mais primitivo e o mais elaborado de todos - o pensamento filosófico - pode intervir uma mediação verdadeiramente neutra , equilibrada , por ser completa entre fases opostas. (p. 42)


  1. SIMONDON, G. Apresentação (1958). Do modo de existência dos objetos técnicos. Editora Contraponto, 2020.